Rodriguinho, como era conhecido por seus colegas, havia ficado preso no banheiro de seu colégio após um trote de alguns deles. Por isso acabou perdendo o ônibus que o deixaria em casa. Agora sem dinheiro no bolso e com o pôr do sol se aproximando, ele começava sua longa caminhada de volta para casa. A pé e aflito por nunca ter se aventurado numa jornada dessas, e principalmente por estar sozinho, ele se via sem opções.
A rodovia SP199 era o maior trajeto em seu caminho, uma longa rodovia escura e que passava beirando a uma longa floresta. O trânsito estava intenso e o escuro agora começava a aumentar, sendo iluminado apenas nos momentos onde os carros passavam de faróis acesos.
Quando não passavam carros Rodriguinho se guiava através das faixas pouco luminosas da pista, das quais seus olhos ainda começavam a se acostumar com a recente escuridão.
No trecho do quilômetro 81, Rodriguinho pensou em atravessar para o outro lado da rodovia no sentido ao canteiro central. Olhou para os lados e teve a certeza de que podia atravessar. Mas quando começou a travessia, já no meio do caminho ele escutou apenas um estridente som de pneu derrapando devido a uma freada brusca. Um forte impacto o atingiu deixando-o inconsciente por alguns segundos. Confuso sem entender nada nos momentos seguintes, começava aos poucos a recobrar seu juízo. Não entendeu nada do que havia acontecido e se perguntou em seus próprios pensamentos se havia morrido. Mas logo em seguida veio a lembrança do acontecido, e em sua última memória agora estava o momento do acidente.
Ainda no chão, olhou apavorado para seu corpo em busca de evidências de machucados e fraturas mas percebeu que havia no máximo alguns ralados no cotovelo e joelho.
Após esta rápida análise que durou apenas alguns segundos ele resolveu se levantar e olhar ao redor. Sua primeira visão foi para a rodovia onde alguns carros e principalmente o carro envolvido havia parado e estava correndo em sua direção para prestar os primeiros socorros. O primeiro adulto a chegar olhou para ele com uma cara de pânico e gritou:
– Demônio!!!!
Rodriguinho olhou automaticamente para trás e viu uma criatura de aparência terrível e assustada que começou a correr e direção ao outro lado da rodovia, causando um grande acidente de trânsito e sumiu mata adentro.
Rodriguinho estava apavorado, em choque, enquanto pessoas chegavam de alguns cantos com pedaços de madeiras na mão e a sirene de ambulância vinha encostando para levá-lo ao hospital mais próximo.
No dia seguinte, sem maiores complicações Rodriguinho já estava em casa explicando-se para seus pais toda a história e motivos pelos quais ele estava ali no meio da rodovia.
Mas quando falou da parte em que viu uma criatura horrenda, e que pessoas o chamavam de demônio, seus pais não deram muita atenção. Ficaram até com pena por achar que seu filho estava confuso, e deixaram para “brigar” com ele sobre a conduta na escola para depois.
Eram 8h00 da manhã e Ronaldo, pai de Rodriguinho recebeu uma mensagem pedindo para que ele ligasse a televisão no Jornal do Dia, onde contavam a história do acidente vivida por seu filho.
A jornalista que apresentava a matéria: “Acidente em rodovia envolve incidente com uma criança, vítima de um carro que estava com faróis apagados durante o pôr do sol seguido outros acidentes envolvendo alguns carros. Testemunhas relatam que tentaram desviar de uma criatura que atravessava a rodovia.”
Em seguida houve uma entrevista com o motorista do carro que quase atropelou Rodriguinho, relatando o que havia visto. Quase como um louco descrevia o que tinha visto após parar o carro para prestar seus primeiros socorros: “Era uma criatura de pele avermelhada, rosto deformado e com aparência de um demônio.”
Enquanto a família de Rodriguinho estava em casa pela manhã, um grupo de pessoas se preparavam para adentrar na floresta munidos de armas brancas para procurar aquela tal criatura.
Após uma hora de buscas em meio aquela floresta, o grupo escuta um grito de aviso: “Encontrei!!! Encontrei!!! Corram para cá!!!”. Era uma casa de madeira improvisada. Parecia um templo, com cruzes, livros e bíblias.
A criatura estava lá dentro, imóvel, e com um aparente medo incontrolável sem saber o que fazer.
Agora, o grupo de caçadores, que haviam cercado a casa, invadem rapidamente, e brutalmente com golpes de pauladas e facadas matam sua vítima em poucos minutos.
10 minutos após este evento, o que restavam era uma enorme fogueira queimando em meio às grandes árvores que a cercavam. As cinzas seriam os únicos vestígios daquela vida que agora era história. E assim, felizes pela vingança, aquelas pessoas que se sentiam vitoriosas, voltavam para casa com a consciência tranquila.
Rodriguinho não foi para a escola neste dia posterior ao evento do acidente, então aproveitou seu tempo para pesquisar sobre a misteriosa criatura na internet e para sua enorme surpresa, logo viu que outras pessoas já pesquisaram sobre casos semelhantes, e aparentemente sobre a mesma criatura. Rapidamente ele descobriu que na verdade “aquilo” era uma pessoa com severas deformidades, que o deixava à semelhança de um demônio.
Esta pessoa, como passou agora a ser reconhecido por Rodriguinho, de acordo com suas pesquisas era uma pessoa do bem, mas que era perseguido por onde passava, e por isso decidiu viver sozinho no meio da floresta. Mas para dar um sentido a sua vida, ficava sempre a espreita de rodovias, salvando animais de serem atropelados e até mesmo outras pessoas. Era um herói, mas nunca foi reconhecido. Agora, esta pessoa, dedicada a Deus e a fazer o bem, estava em outra vida, com uma morte agonizante como sua recompensa por salvar vidas anonimamente.
Rodriguinho nunca soube do destino daquele que havia salvado sua vida. Mas agradece todos os dias ao herói anônimo por ter tido uma segunda chance com sua vida .