– Mãeeee!!!! Você não passou minha blusa direito. Tem um amassadinho bem na frente dela. Não vou usar isso assim.
Gritou Cris de seu quarto enquanto a mãe fazia a janta na cozinha.
– Mãeeee!!!! A comida está pronta? Está quase na hora de pegar minhas amigas. O Carro tem gasolina?
– Sim filha. Pode descer que a comida está pronta e o carro tem gasolina sim.
Cris desceu apressada depois de ter trocado seu vestido verde por um preto com finos decotes, uma saia ondulada até o joelho e sandália com um grande salto fino e muita maquiagem. Comeu rapidamente e foi logo em direção à garagem onde pegaria o carro de sua mãe.
– Tchau mãe. Não sei que horas eu volto tá? Ahhh e compra pra mim um par de brincos novos para combinar com este vestido. Deste aqui não gosto mais.
– Ta bom. Tchau filha. Cuidado.
Cris saiu com certa pressa de sua casa, pois havia combinado em pegar suas amigas em vinte minutos. A primeira pessoa a pegar morava num bairro um pouco afastado por isso Cris pegou uma estrada que passava por plantações, canaviais, macieiras e bananeiras. O caminho era escuro e parecia ser bastante deserto, por isso Cris aproveitou, com o carro ainda em movimento, para olhar no retrovisor e acertar seu batom. De relance, em sua visão periférica, pôde perceber algo que acabara de atravessar a pista bem à frente do carro. Com uma freada brusca parou o veículo assustada. Imediatamente desceu para garantir que não havia atropelado nada, mas estava apavorada por ter parado ali. Olhou a frente do carro, deu a volta olhou por trás, agachou-se para olhar por baixo e nada encontrou. Ao voltar para o banco do motorista, deparou-se com uma estranha criatura ali parada que aparentemente havia surgido do nada. Parecia um duende, como aqueles que Cris sempre via em histórias de fantasia, tinha cerca de um metro de altura, o rosto e as mãos eram horripilantes, com a pele enrugada e áspera, em um tom escuro de marrom. Suas orelhas eram redondas, e eram desproporcionalmente grandes para o resto de seu corpo. Na cabeça havia pouco cabelo, seco como palha e estava escondido sob uma boina vermelha. Suas roupas lembravam típicos motoqueiros, um colete sobre as roupas esfarrapadas, calça jeans e botas escuras com um pequeno saco de couro preso a seu lado direito na cintura.
Com extremo pavor ela soltou um forte grito e ameaçou correr. Mas antes que pudesse dar os primeiros passos escutou uma doce e suave voz dizendo:
– Não precisa fugir Cris, não farei mal algum a você. Estou aqui para ajudar.
Mas ela ainda estava preparada para correr quando pensou e perguntou com desconfiança:
– Como sabe meu nome?
Ao que ele respondeu com calma e tranquilidade:
– Sei seu nome pois sou uma criatura mágica. Sou um Hellaquin. Meu nome é Jãono.
– O que é um Hellaquin?
– Hellaquins vivem no mundo dos Hellacorpses. Funcionamos como um anjo da guarda. Mas nosso objetivo é esperar o momento certo para descer à terra e ajudar nosso escolhido à realizar seus desejos. Disse ele com um leve sorriso de prazer.
– Mas se é como anjo porque é tão feio?
Ah minha querida, não deixe as aparências enganarem você hehehe. Você tem algum desejo?
– Desejo? Então você pode fazer mágicas?
– Praticamente sim. Mas não sozinho. Você poderá me pedir qualquer coisa, mas não será tão fácil. Eu poderei lhe mostrar o caminho, mas haverá sempre um preço. Coisa pequena claro, mas que não haverá problemas para você.
– Qual o preço a se pagar por um pedido?
– Depende de seu pedido. Tente fazer um.
– Bom, para começar apenas como teste eu gostaria de um batom que eu só precisasse passar uma vez, e sua cor pudesse ser alterada com a força de meu pensamento.
– Tudo bem, este é fácil. Só preciso que vá até aquele brejo do outro lado da estrada e busque um sapo para mim. Não precisa estar vivo.
Cris resolveu fazer o que o Hellaquin pediu. Com muita repugnância e dificuldade em pegar aquela criatura nojenta, ela conseguiu achar um galho de árvore seco, e após longos minutos já sem paciência em cutucar aquele pequeno anfíbio, com cara de nojo por não querer encostar nele, ela cravou o galho no meio do indefeso sapo, e o levou até o Hellaquin.
O Duende a recebeu com alegria e satisfação estampadas em seu rosto, assim Jãono jogou o corpo do sapo ainda se debatendo para dentro de seu saco de couro.
– Está aqui. Isto deve servir para você.
Ele tirou um batom de dentro de seu saco e a entregou. Cris saiu correndo em direção ao carro e pintou seus lábios com seu novo cosmético e fez logo um teste. Com simples pensamentos seus lábios ficavam azuis, vermelhos, verdes ou qualquer outra cor que imaginasse. A empolgação por aquilo ser verdade era tanta que ela não percebeu uma grande mecha de seu cabelo desprendendo de seu couro cabeludo e caindo no asfalto escuro.
– Posso fazer outro pedido?
– Quantos quiser. Estou aqui para isso.
– Quero vestir a roupa mais bonita e cara da cidade.
Jãono instrui para que ela dirigisse em direção ao centro da cidade, na melhor loja que ela achasse. Chegando lá passou as novas instruções de como ela conseguiria o vestido. Primeiro deveria beber uma poção mágica para que seus olhos conseguissem enxergar no escuro. Depois lhe entregou uma chave dourada que poderia abrir qualquer coisa que tivesse uma fechadura. As instruções eram apenas para ela entrar e escolher o vestido que quisesse. Só não deveria acender nenhuma luz para não chamar a atenção.
– Mas isso não é roubo? Estarei roubando a loja.
– Não pense nisso. Você está com uma criatura mágica e estou realizando seu desejo.
Ela saiu do carro e seguiu todas as instruções. Dentro da loja ela podia enxergar na penumbra tudo que ali havia em um tom avermelhado. Saiu da loja já vestida com um magnífico vestido cinza com detalhes em desenhos de flores e pedras brilhantes como acabamento. Era o mais caro da loja pois aqueles brilhantes eram fragmentos de pedras preciosas. Olhou para os lados desconfiada que alguém pudesse estar vendo, mas àquela hora, já de madrugada não havia ninguém mais nas ruas.
Sem que ela soubesse o alarme silencioso da loja havia sido ativado, mas antes que a polícia local pudesse chegar ela já estava de volta à estrada. Sem perceber, sua pele, antes lisa e macia, resultado de muitos produtos cosméticos caros, agora estava ficando seca e enrugada. Seu tamanho diminui, e aos poucos, oculto pela empolgação de Cris ela estava se transformando num Hellaquin. Muitos pedidos estavam sendo feitos por ela. Joias, sapatos e bolsas até que lembrou-se de sua casa e quis voltar imediatamente para mostrar tudo que havia conseguido à sua mãe. Quando se virou para entrar no carro depois de seu último assalto, Jãono num movimento rápido instalou no pescoço de Cris uma coleira grossa de metal que não havia trava alguma. Assustada ela olhou para ele e perguntou:
– O que é isso? O que está fazendo?
– Cris, você tem uma alma cega por sua vaidade, perfeita para viver em nosso mundo. Você é agora uma Hellaquin e seu nome está inscrito em sua coleira. E um detalhe que não havia lhe dito. Você continuará neste mundo só até o nascer do sol.
Apavorada ela entrou no carro e saiu em alta velocidade direto para sua casa. No caminho passou a mão no artefato que havia agora em seu pescoço e junto trouxe um grande tufo de cabelos. Chorando Cris chegou em sua casa. Dois carros de polícia estavam parados à frente, mas ela não chegou a imaginar que estariam atrás dela.
Quando Cris entrou na casa, os policiais sacaram suas pistolas e gritaram para que ela deitasse no chão. Desesperada começou a pedir por sua mãe, que a questionou ao descer pelas escadas:
– Quem é você monstro? O que está fazendo aqui?
– Como assim mãe?
– Mãe? Quem é você?
– Sou eu a Cris.
Neste momento ela olhou num grande espelho à esquerda na parede da sala e viu um horrível e desprezível monstro. Cris havia virada uma Hellaquin. Seu novo nome inscrito na coleira de metal era Gadrine. O sol estava nascendo. Com os raios solares entrando pelas janelas, ao atingirem Gadrine ela virou pó na frente dos policiais e de sua mãe, que ao inalarem aquele pó morreram instantaneamente. Desta forma não houveram testemunhas do fato sobrenatural que acabara de acontecer.
Agora a nova Gadrine ressurgia em seu novo mundo. Um mundo devastado e deprimente, e que só após alguns instantes se deu conta que estava acorrentada numa fila que andava infinitamente para algum lugar. Uma lágrima escorreu, e esta mesma lágrima queimou sua pele de tal maneira que ela nunca mais chorou. Ficará algumas décadas em treinamentos e torturas para aprender a ser uma Hellaquin.
A polícia havia recolhido todas as digitais de Cris nas cenas dos crimes, e a acusaram inclusive da morte dos policiais e sua mãe, mas foi dada como fugitiva. Nunca ninguém a encontrou.